A HISTÓRIA DA HISTÓRIA – 2/6 – 02/04/2012

RESUMO
Discorre sobre a gêneses do papel feminino, subsidiada historicamente  por uma prática de subordinação ideológica ao poder masculino. No decorrer de séculos, a sociedade atrelou a vida da mulher à família e tal prática foi interpretada como uma atitude de submissão feminina. A educação familiar e religiosa  praticada ensinava à mulher  somente fundamentos  pertinentes à unidade doméstica, respeito ao seu marido e senhor.  Isso obscureceu o modo de organização doméstica gerenciado pelo sexo feminino, como se o mesmo jamais tivesse existido.

 

A HISTÓRIA DA HISTÓRIA

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana  assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.

(BEAUVOIR, 1980, p. 9)

 

Mais ou menos há quatro bilhões e meio de anos o planeta Terra existe. Muraro (2000), afirma que  os primeiros sinais de vida na Terra apareceram por volta de dois bilhões de anos, e os mamíferos têm vestígios de vida a partir de oitenta milhões e quinhentos mil anos. Nessa mesma época estima-se que o   Australopiteco, o macaco que precedeu a espécie humana, começou a andar  pelas selvas africanas.  Nosso antepassado,  o Homo Erectus,  há um milhão de anos, se espalhava da África para a Ásia, Java e outras localidades do mundo.

Há cem mil anos na Europa apareceu provavelmente  o Homo Sapiens, que habita a Terra até os dias de hoje. Outras fontes dizem que sua aparição  é mais recente, data de cinquenta a trinta mil anos. Ainda, segundo Muraro (2000),  o que  é certo é que se tem registros mais precisos da história da espécie humana   de apenas três mil anos. Dos outros quase dois milhões de anos de evolução humana, só se tem fonte de conhecimento segura no que tange ao comportamento dos animais que foram estudados nos últimos séculos e o de duzentas sociedades primitivas que ainda hoje existem, mas como todo o resto do reino não humano, está quase em extinção.

Consoante Muraro (2000, p. 10):

[...] Apenas com as novas tecnologias se pode tirar inferências de como foi a existência humana e proto humana nos milênios passados a partir de pedaços de ossos, dentes de fósseis, vestígios de aldeias, cidades e agrupamentos mais antigos.

O mundo adquiriu outras dimensões quando Galileu viu com novos instrumentos aquilo que até então não se via: a Terra não era o centro do universo. E a Teoria da Relatividade nasceu  quando Einstein viu que alguma coisa estava errada com o efeito de Michelson e Morley.

A partir da  segunda metade do século XX,  milhares de homens e de mulheres estão a procura, nas profundezas do passado e trazendo à tona a história que ninguém contou: a fascinante história do mundo do ponto de vista feminino.

1.1        MACHOS E FÊMEAS

Mello (2000) diz que o centro não só de grupos de proto humanos mas também de mamíferos em geral e principalmente dos ungulados, onde se incluem os primatas, era composto por mãe e filho.  Contrariando o pensamento convencional de que os bandos animais se reúnem em torno de um macho dominante que escraviza os outros e se apropria das fêmeas. Tais grupos  são matricêntricos e matrilocais, isto é, seguem a linhagem feminina, mas nem os animais nem os proto humanos são matriarcais, pois não são em geral governados pelas  fêmeas.

De acordo com Muraro (2000, p.14):

As sociedades matricêntricas e matrilocais apresentam entre seus membros relações  não tão cerradas quanto nas sociedades patriarcais. A relação macho-fêmea é esporádica e casual, e quando existe um casamento, isto é, uma relação estável, ela tende a não ser exclusiva, ou ao menos escravizadora de uma das partes. A  relação pais-filhos ou mãe-filhos é protetora e fluida, a criança é educada não para executar tarefas pré-fabricadas para ela, mas para cedo se tornar independente.

A natureza matricêntrica das sociedades animais não  interessou aos antropólogos até muito recentemente, segundo Mello (2000); apesar de evidenciar o contrário,  gerações de cientistas homens acreditaram que o macho dominasse em todas as sociedades animais. Os gregos acreditavam que o rei da colméia fosse um macho. A crença ancestral do leão como rei dos animais é desmentida pelo fato de não ser ele, mas sim a leoa, quem ataca para obter comida para os filhotes. E o famoso rei da selva em geral é dependente dela, e não o contrário. Entre os insetos, os mosquitos, também são matrilocais: quem pica não é o macho, mas a fêmea, que necessita de sangue para fazer desenvolver os ovos.

Todavia o principal interesse dos estudiosos e pesquisadores em tempos passados fosse descobrir nos animais traços e projeções da maneira de ser das sociedades humanas atuais, tal proposição hoje, parece superada. Sociobiólogos, entre os quais se encontram alguns cientistas mais minuciosos, competentes, mecanicistas e machistas, já reconhecem que o grupo mãe-filho é a unidade nuclear universal das espécies mamíferas e que as sociedades primatas são matrilocais quase por definição.

Mello (2000) assevera que o matricentrismo é essencial entre os animais de maior porte, porque seus filhos nascem indefesos. Se não houvesse a relação mãe-filho muito estreita, os filhotes morreriam. Sendo assim, em vez de serem competitivas, isto é, de os seus membros brigarem entre si para que o mais forte domine, elas são cooperativas, ajudam-se mutuamente, por serem pequenas e frágeis. Num mundo complexo e hostil, muitas vezes os membros do mesmo grupo são obrigados a proteger uns aos outros para poderem sobreviver.

Vale ressaltar que em quase todas as sociedades animais, as fêmeas são as residentes permanentes, e os machos são móveis. E, devido a posição central das fêmeas na maioria dos grupos animais, talvez se possa concluir que esta dominância seja diferente de dominação. Dominância ou predominância é a capacidade inata ou adquirida de um membro de um grupo de sobressair, seja por sua personalidade, beleza, capacidade reprodutora, mas não inclui a repressão e a coerção da vontade dos outros membros do grupo, como no caso da dominação. O poder de controlar os outros, conhecido na espécie humana  como autoridade, com justificativas morais, parece não existir nas outras espécies animais (MURARO, 2000).

Os exemplos citados anteriormente sobre as relações animais derrubam muitos mitos que até recentemente nortearam pesquisas no reino animal, a procura de  justificativas para uma sociedade  hierárquica, coercitiva e competitiva como a sociedade humana.

Profª. Drª. Anna Cecília Teixeira
Doutora em Ciências da Educação.
Profª. Faculdade Novo Milênio.
Profª Rede Doctum de Ensino.